Dicas de como iniciar a implantação da Nova Lei de Licitações nos municípios e câmaras municipais

por Adelson Damasceno[1]

Índice:
• Introdução
• Planejamento Estratégico
• Regulamentação
• Capacitação dos Servidores
• Aplicação Gradual
• Monitoramento dos Processos
• Considerações Finais

Introdução

Um dos maiores tabus, em termos de atuação no âmbito da Administração Pública, sobretudo Municipal, está nas contratações realizadas com base na Lei de Licitações.

Durante mais de 30 anos os agentes públicos conviveram com as imperfeições e a insegurança da Lei 8.666/93 que tinha, como pano de fundo, uma estrutura voltada para a punição de servidores públicos, prefeitos, ordenadores de despesas, empresas e empresários, refletindo o chamado Direito Administrativo do medo[2].

Com a iminente revogação, creio que inadiável, da Lei 8.666/93, vem a necessidade de adaptação e migração urgente para o regime da Nova Lei de Licitações – Lei 14.133/2021 – momento em que surgem para os gestores públicos, especialmente no âmbito dos Municípios, uma infinidade de questões, em especial:

  1. Ausência de pessoal qualificado;
  2. Estrutura administrativa enxuta e dificuldades em estabelecer a segregação de funções;
  3. Falta de setores estruturados;
  4. Remuneração baixa dos servidores públicos;
  5. Falta de estruturação da assessoria jurídica e controle interno;
  6. Problemas relacionados à cultura organizacional;
  7. Desinteresse da alta administração (prefeito, presidente da câmara e secretários municipais)
Implantar a Nova Lei de Licitações traz questões delicadas aos agentes públicos – Imagem de pressfoto no Freepik

A par deste cenário – que não é uma situação isolada – o agente público se vê desamparado para iniciar o processo de adaptação destinado à implantação da Nova Lei de Licitações e Contratos e, não raramente, o fluxo de trabalho e as demandas do dia a dia inviabilizam qualquer planejamento.

Mas e aí, mesmo neste contexto muitas vezes desfavorável, por onde começar? Assim, nestas breves considerações e sem a intenção de exaurir o conteúdo, nos propomos a apresentar, a partir da conjugação de aspectos teóricos e empíricos – fruto do nosso trabalho na implementação na Nova Lei de Licitações no âmbito municipal – alguns passos iniciais para migrar, de forma segura, da Lei 8.666/93 para a temida e complexa Lei 14.133/2021.

1. Da necessidade de um planejamento estratégico de implantação da Lei 14.133/2021 – Diagnóstico

O direcionamento das ações, sobretudo nas situações que demandam decisões complexas, precisam ser precedidas de avaliação crítica em relação aos cenários interno e externo.

Implantar a nova Lei de Licitações traz, dentre suas numerosas imposições legais, a necessidade de que seja observada a segregação de funções, a qualificação dos servidores, a correta estruturação do departamento jurídico e do controle interno, a definição de modelos de gestão contratual e processos estruturados de modo a garantir celeridade nas contratações e criar um ambiente de governança e planejamento (Art. 11, parágrafo único).

É importante considerar o cenário atual para o planejamento de transição para a NLLC – Imagem de rawpixel.com no Freepik

O planejamento estratégico, neste caso, não passa por uma avaliação excessivamente complexa e aprofundada, até porque o prazo está curto e algumas medidas precisam ser tomadas com certa urgência, por exemplo:

  • Quais os pontos positivos do meu setor de licitações atual?
  • Tenho servidores efetivos e capacitados que possam atuar com agentes de contratação?
  • Minha estrutura administrativa permite que seja observada a necessidade de segregação de funções?
  • Quais os principais desafios para uma cultura de planejamento? As secretarias e órgãos demandantes enviam solicitações claras como quantitativos, prazos de entrega, garantia, descrição detalhada, etc?
  • Existe uma cultura de culpar outros setores? (jurídico, licitações, etc);
  • Têm sido frequentes as dispensas emergenciais ou dispensa de licitação para suprir necessidades decorrentes de falta de planejamento?
  • As pessoas que integram o setor de licitações possuem um perfil confiável e íntegro?
  • Existe uma pessoa ou grupo de servidores (comissão, grupo de trabalho, etc) que possa fazer o acompanhamento do processo de implantação e migração para a nova lei?
  • A Administração disponibilizou treinamento e capacitação adequados aos servidores?
  • Quais os prazos para implantar e migrar para a Nova Lei?
  • Quando começar? Quem irá começar? Como fazer? Quanto irá custar? Quem irá participar? Quando o processo irá finalizar? Quais os resultados isso deverá entregar?
  • Possuo espaço físico e equipamentos adequados para, por exemplo, fazer as gravações das sessões em áudio e vídeo? Tenho plataforma para realizar as licitações eletrônicas? O Software de gestão está adaptado para as modalidades da Lei 14.133/2021?
  • Será necessário buscar ajuda externa: Consultor, treinamentos, assessoria, ou novos profissionais para reforçar a estrutura?
  • Será necessário alterar a estrutura administrativa?
  • Será necessário criar gratificações para os agentes que irão atuar nas licitações?
  • Qual o tempo médio para realizar um processo com base nas antigas leis? Qual o prazo médio para realizar um processo na nova lei? Os setores demandantes já foram orientados sobre os novos prazos e suas responsabilidades?

Estas são algumas diretrizes que poderão orientar um planejamento estratégico para uma migração menos traumática para o regime na Nova Lei de Licitações. A resposta aos questionamentos acima exemplificados levarão à elaboração de um diagnóstico do fluxo das licitações no âmbito do órgão público, tanto em relação ao setor de licitações quanto em relação aos setores demandantes e irá orientar as ações necessárias para a correta implantação e novas etapas deste processo.

2. Regulamentação

Depois que o planejamento estratégico apontar as metas e definir as ações de médio e curto prazo para implantar a Lei, chega a hora de utilizar esses resultados e promover a regulamentação local e aqui fica uma dica importante: não copiar regulamentos de outras cidades, isso porque cada cidade ou órgão possui diferentes particularidades.

E aqui existem alguns regulamentos que são prioritários e que deverão ser confeccionados e publicados urgentemente pelos Municípios e Câmaras Municipais, sob pena de inviabilizar a utilização da Lei 14.133/2021.

Os principais decretos para utilização da Lei 14.133/2021 no âmbito dos Municípios são:

  1. Agente de Contratação e equipe de contratação (art. 8º, § 3º e 61, § 2º);
  2. Plano de Contratações Anual (art. 12, VII);
  3. Catálogo de padronização (art. 19, § 1º);
  4. Bens comuns e de luxo (art. 20, § 1º);
  5. Pesquisa de preços (art. 23, § 1º);
  6. Pesquisa de preços obras e serviços de engenharia (art. 23, § 2º);
  7. Procedimentos operacionais do leilão (art. 31);
  8. Objetivação do menor dispêndio financeiro para julgamento do menor preço (art.34, § 1º);
  9.  Pontuação técnica pela execução de contrato anterior (art.36, § 3º);
  10.  Critério de desempate (art. 60, III);
  11.  Habilitação eletrônica (art.65, § 2º);
  12.  Outras formas de comprovação da capacidade técnica (art.67, § 3º);
  13.  Procedimentos auxiliares da licitação (art. 78, § 1º);
  14.  Celebração eletrônica de contratos (art. 91, § 3º);
  15.  Modelo de gestão de contratos (art. 92, XVIII);
  16.  Processo administrativo de extinção dos contratos (art. 137, § 1º);
  17.  Regulamentação das linhas de defesa (art. 169, § 1º);
  18.  Dispensas de licitação (art. 75);
  19.  Dispensa de parecer nas contratações diretas (art. 53)

Alguns Municípios, de forma desavisada, têm realizado processos licitatórios com fundamento na Lei 14.133/2021 sem a edição dos regulamentos. Em alguns casos que foi possível verificar que o processo foi conduzido integralmente de acordo com a Lei 8.666/93, todavia, a norma escolhida foi a Lei 14.133/2021, ou seja, houve a utilização combinada dos dois regimes dentro do mesmo processo, o que afronta a literalidade do art. 191, § 2º da Nova Lei de Licitações.

3. Capacitação e treinamento dos servidores

A responsabilidade pela criação de um ambiente confiável em termo de contratações públicas e que preze pelo planejamento é uma responsabilidade da alta administração que, no caso dos Municípios e Câmaras, recai sobre prefeitos, secretários municipais e presidentes das Câmaras Municipais.

É importante que no processo de planejamento sejam definidos, de acordo com o perfil dos servidores, aqueles que irão atuar nas licitações a partir de um processo permanente de “gestão por competências (art. 7º da Lei 14.133/2021)” por meio do qual a Administração invista na qualificação permanente para que estas pessoas tenham condições técnicas de atuar nas contratações públicas.

É importante que os servidores tenham qualificação compatível relacionada a licitações e contratos – Imagem de peoplecreations no Freepik

É importante lembrar que a atuação nas licitações, de acordo com as regras dos artigos 7º e 8º da Lei 14.133/2021 depende da comprovação de que o agente possui formação compatível, ou qualificação atestada ou atribuições relacionadas a licitações e contratos. Importante lembrar ainda que a ausência de qualificação irá gerar a responsabilidade direta do prefeito, secretário e presidente do legislativo municipal nos casos em que o processo ocasionar uma contratação que não atenda à necessidade da Administração.

Essa qualificação não se restringe apenas aos agentes de contratação e membros da equipe de apoio, sendo uma OBRIGAÇÃO da Administração capacitar os seguintes grupos de atores que irão conduzir as diversas etapas da licitação:

  1. Agentes de contratação e pregoeiros;
  2. Equipe de apoio;
  3. Comissão de contratação e de seleção;
  4. Equipe de planejamento que irá elaborar o Estudo Técnico Preliminar (ETP), Matriz de Riscos, Termo de Referência (TR), Pesquisa de Mercado e Edital;
  5. Órgão de assessoramento jurídico de controle interno;
  6. Gestor contratual;
  7. Fiscal contratual;

Assim, a partir do perfil dos agentes escolhidos pela alta administração, torna-se uma obrigação da Administração garantir as condições materiais e intelectuais para a correta aplicação da Nova Lei que, neste ponto, impõe aos prefeitos, secretários e presidentes de Câmaras Municipais a RESPONSABILIDADE OBJETIVA pelo descumprimento do DEVER de PLANEJAMENTO, CAPACITAÇÃO DE SERVIDORES e GOVERNANÇA.

4. Aplicação gradual

Com o planejamento, a regulamentação e a capacitação dos agentes públicos, a Administração deve, dentro do período de convivência entre o regime da Lei 141.33/2021 e das Leis 8.666/93 e 10.520/2002, promover a aplicação gradual da Nova Lei.

Assim, o que se sugere é a adoção da Nova Lei nas contratações de baixo valor, nas contrações diretas e naquelas destinadas a contratar objetos que tenham menor complexidade.

Mas lembre-se! Mesmo os Municípios com menos de 20 mil (20.000) habitantes estão obrigados a aplicar a Lei 14.133/2021 a partir de 30 de dezembro de 2023, estando dispensados apenas de alguns pontos do art. 7º e 8º, a exemplo das licitações eletrônicas.

5. Monitoramento dos processos

Com a aplicação gradual da Lei 14.133/2021 é possível que o setor de compras e licitações possa mensurar o tempo estimado entre o início da fase preparatória da licitação e a efetiva assinatura do contrato, o que garante maior previsibilidade por parte dos setores demandantes.

Esse monitoramento também permite o constante aperfeiçoamento dos processos de modo a garantir uma maior qualidade nas licitações por meio da constante correção de equívocos ou erros que possam, no futuro, gerar desconfianças e questionamentos sobre as licitações do Município.

O Monitoramento também é uma obrigação da própria Lei como forma de prevenir riscos e garantir um ambiente de integridade nas licitações e, para isso, mais uma vez se faz necessária a qualificação permanente dos servidores que irão atuar direta e indiretamente nos processos.

Qualifique seus servidores para evitar a paralisação do setor de compras – Imagem de Drazen Zigic no Freepik

6. Considerações finais

Este ensaio tem por finalidade trazer algumas diretrizes para a implantação e aplicação da Lei 14.133/2021 nos Municípios e Câmaras Municipais a partir de algumas premissas trazidas pela própria Lei e outras que, no dia a dia dos órgãos públicos municipais, têm se mostrado frequentes.

A eficiência do processo de implantação e aplicação da Nova Lei de Licitações é que irá definir, inclusive, a percepção que o cidadão tem em relação à Administração Municipal isso porque, aqueles Municípios que deixarem para aplicar a Nova Lei apenas em 2024 correrão sérios riscos de enfrentar o colapso nas suas contratações e de se verem obrigados a utilizar de dispensas emergenciais que, se fundadas na falta de planejamento, trarão responsabilidade administrativa, civil e até mesmo criminal para os agentes públicos.

É importante que o agente público e, especialmente o gestor, tenha a percepção de que se está diante de uma lei mais complexa e que traz exigências severas para os órgãos municipais, especialmente para pequenos e médios municípios.

Não foi uma opção do legislador destinar um tratamento diferenciado para os órgão com estruturas administrativas muito diminutas – ressalvadas as tolerâncias concedidas aos Municípios com menos de 20.000 habitantes -, até porque se trata de uma norma geral que se aplica tanto para grandes estruturas Federais, Estaduais e grandes centros urbanos quanto para pequenos Municípios.

Iniciar o processo de adaptação às novas regras em cima hora implicar em assumir, de forma consciente, o risco de ver a total paralisação do setor de compras e, com isso, a impossibilidade de fornecer para a população aquilo que lhe é essencial isso porque toda e qualquer contratação de bens, fornecimentos ou servidores dependerão de cumprimento das regras licitatórias que, a partir de 31 de dezembro de 2023, se darão exclusivamente por meio da Lei 14.133/2021.


[1] Mestre e especialista em Direito Público com ênfase no Direito Administrativo. Advogado e Consultor Jurídico em Direito Administrativo.

[2] Nesse sentido: Os administradores públicos, por vezes, passar a atuar envoltos em medo, o que desencadeia em posturas de autoproteção, com uma gestão sem criatividade ou inovação, imersa em burocracia, postergações e ausência de decisões. Esta política do medo espraia efeitos por todos os campos da atuação do administrador, inclusive sobre as tão importantes e necessárias políticas públicas, fundamentais para o acesso do cidadãos aos direitos constitucionalmente previstos.  (disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/rda/article/view/6431)

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