Como estruturar o setor de planejamento nos municípios

Adelson Damasceno[1]

Índice
• Introdução
• Agentes públicos na NLLC e a (des)necessidade de atuação de servidores efetivos
• Requisitos para compor a equipe de planejamento
• Número de servidores que deverá compor a equipe de planejamento
• Considerações finais

Introdução

A Nova Lei de Licitações e Contratos – Lei n. 14.133/2021 – trouxe entre os princípios do art. 5º, o princípio do planejamento.

Ao mesmo tempo, o art. 11, parágrafo único da Lei 14.133/2021 prevê a responsabilidade objetiva da alta administração quanto à implementação de medidas de governança e planejamento das contratações públicas.

Se por um lado a Lei n. 8.666/1993 trazia uma excessiva preocupação com a responsabilização dos agentes e empresas que participam das licitações, a nova Lei acrescenta a preocupação com o planejamento, cujo objetivo é justamente garantir o tratamento isonômico, evitar o sobrepreços e preços inexequíveis, promover o desenvolvimento nacional sustentável e trazer o negócio mais vantajoso para a Administração (Art. 11 da Lei n. 14.133/2021).

A Nova Lei de Licitações e Contratos enfatiza a importância do planejamento – Imagem de tonodiaz no Freepik

Embora muito se fale em planejamento, é certo que poucos autores e estudiosos se preocupam em esclarecer aos agentes e aos Municípios, especialmente aqueles menores, como deverá ser feita a estruturação interna deste planejamento das contratações e aí começam a surgir perguntas como:

  • Os servidores que atuam na etapa de planejamento precisam ser efetivos?
  • Quantos servidores são necessários na equipe de planejamento?
  • Quais os requisitos para compor a equipe de planejamento?

Assim, as respostas para estes questionamentos mostram-se importantes para a tomada de decisão dos gestores municipais, os quais, não poucas vezes, contam com número reduzido de servidores ou número reduzido de servidores efetivos.

1. OS AGENTES PÚBLICOS NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES E A (DES)NECESSIDADE DE ATUAÇÃO DE SERVIDORES EFETIVOS

Os agentes públicos constituem uma preocupação claramente perceptível do Legislador Federal, o qual viu a necessidade de que sejam priorizados os servidores efetivos na condução dos processos licitatórios (art. 7º, I e art. 8º, I, ambos da Lei 14.133/2021).

Além disso, previu-se a necessidade de se garantir a segregação de funções, “vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação” (art. 7º, § 1º da Lei 14.133/2021).

Outro ponto em relação aos servidores públicos é que, de forma implícita e a partir de uma interpretação sistêmica, estes integrarão a chamada “primeira linha de defesa” e atuarão de forma preventiva no saneamento das impropriedades menos graves e terão a obrigação de reportar situações lesivas à Administração (art. Art. 169, I c/c § 3º, I e II da Lei 14.133/2021).

A opção do legislador em priorizar os servidores efetivos na condução dos processos licitatórios parte da hipótese de que o servidor efetivo teria maior autonomia para tomar decisões de forma imparcial e sem eventuais pressões ou ameaças em relação à manutenção do cargo.

Em relação aos requisitos para atuar nas licitações a Lei delega aos Municípios e demais órgãos públicos a possibilidade de editar regulamentos, ressalvado o caso do agente de contratação cuja atuação dependerá obrigatoriamente de regulamentação.

Os requisitos para atuação encontram-se previstos no art. 7º da Lei n. 14.133/2021, sendo eles: (i) servidores preferencialmente efetivos; (ii) atribuições relacionadas a licitações e contratos, formação compatível ou qualificação específica e (iii) não possui relação de parentesco, profissional, trabalhista ou societária com fornecedores habituais da Administração.

Estes requisitos, conforme consta do art. 176, são flexibilizados para os Municípios com até 20.000 habitantes, os quais terão até 01 de abril de 2027 para promover as adequações.

Em relação ao agente de contratação é importante que seja feita uma ressalva importante, isso porque a Lei 14.133/2021 em seu art. 6º assim dispõe:

 LX – agente de contratação: pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.

Da mesma forma o caput do art. 8º:

Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.

Logo, pela leitura do art. 8º e do art. 6º, LX da nova Lei, percebe-se que o agente de contratação deverá ser servidor efetivo e pertencente aos quadros permanentes da Administração.

Comungamos do entendimento de que, na ausência de servidores efetivos que cumpram os requisitos do art. 7º, a equipe de planejamento poderá ser composta por servidores comissionados – Imagem de Drazen Zigic no Freepik

Ocorre que não raras vezes a estrutura administrava impossibilita que se tenha o servidor qualificado nos quadros permanentes, ou mesmo nos casos em que ocorrer o afastamento temporário do agente de contratação. Nestas situações o Tribunal de Contas da Bahia proferiu importante decisão que em síntese assim dispôs:

A Nova Lei de Licitações estabeleceu como regra geral que os agentes públicos que serão designados para atuarem nas funções essenciais de licitações e contratos deverão, preferencialmente, ser servidores efetivos ou empregados públicos do quadro permanente, inclusive os membros da comissão de contratação. Assim, se o órgão ou entidade não contar com servidores efetivos aptos a assumirem tais funções essenciais, como, por exemplo, de agente de contratação ou de membro de comissão de contratação, poderão, através de motivação, designar servidores comissionados para exercerem tais funções, desde que estes estejam qualificados para tanto. (PROCESSO Nº 05320e22 PARECER Nº 00627-22)

Entendemos, neste momento, que a posição do Tribunal de Contas Baiano é razoável e parte da própria ideia da reserva do possível. Importante, todavia, que antes da designação do agente de contratação, caso este não seja efetivo, que seja demonstrado de forma clara, no próprio ato de nomeação, a inexistência de servidor efetivo apto ao exercício da função.

Portanto, antes de partir para a análise dos questionamentos que constam da introdução, torna-se necessário esclarecer que, em relação à Lei n. 14.133/2021, os servidores que irão conduzir as etapas do processo deverão ser preferencialmente efetivos, ressalvado o caso do agente de contratação e membro da Comissão de Contratação, os quais deverão ser efetivos ou integrantes do quadro permanente da Administração, salvo motivação específica no momento da nomeação.

Logo, comungamos do entendimento de que, na ausência de servidores efetivos que cumpram os requisitos do art. 7º, a equipe de planejamento poderá ser composta por servidores que não pertençam aos quadros permanentes da Administração.

2. REQUISITOS PARA COMPOR A EQUIPE DE PLANEJAMENTO

Conforme já mencionado, o processo licitatório tem por finalidade a garantia do tratamento isonômico entre os interessados e a busca pela maior vantagem possível para a Administração, observada a busca pelo desenvolvimento nacional sustentável e evitando o superfaturamento ou contratações com preços inexequíveis.

A busca por estes objetivos fundamentais do art. 11 passa pelo efetivo planejamento das contratações que, diferentemente do que previa a Lei n. 8.666/93, traz maior importância para a chamada “fase preparatória” da Licitações.

O processo licitatório tem por finalidade a garantia do tratamento isonômico entre os interessados e a busca pela maior vantagem possível para a Administração Pública – Imagem de Freepik

A fase preparatória, em síntese, é aquela que vai da formalização de uma necessidade pública até a publicação do edital, quando se inicia a chamada fase externa.

Entende-se que boa parte da fase preparatória da licitação compreende a etapa de planejamento dos contratos.

Para isto, a Lei n. 14.133/2021 prevê várias etapas de planejamento, vejamos:

  1. Planejamento estratégico (art. 11, parágrafo único);
  2. Documento de formalização de demanda (art. 12, VII);
  3. Lei orçamentária (art. 12, VII);
  4. Plano de Contratação Anual (art. 12, § 1º);
  5. Estudo Técnico Preliminar (art. 6º, XX)
  6. Pesquisa de mercado (art. 23)
  7. Termo de Referência (art. 6º, XXIII)
  8. Elaboração do edital e minuta do contrato (art. 18, V e VI)

A existência de um rol exaustivo de requisitos a serem observados na etapa de planejamento implica em maior esforço, maior disponibilidade de recursos humanos e capacitação para a execução correta desta importante fase do processo: o planejamento.

Assim, o mínimo que deve ser exigido dos agentes que irão atuar nesta fase de planejamento é a familiaridade com o assunto, especialmente em relação ao objeto que se pretende contratar mas, além disso, deverá ser exigida a formação compatível, atribuições em licitações e contratos (que pode ser dar por ato de delegação/nomeação) e, claro, a capacitação.

Outro ponto importante a ser avaliado é que mesmo os pequenos Municípios deverão observar a segregação de funções, assim, os agentes que eventualmente atuam na etapa de planejamento não poderão atuar como agentes de contratação ou fiscal contratual.

Mesmo os pequenos municípios brasileiros deverão observar a segregação de funções – Imagem de frimufilms no Freepik

Importante ainda reforçar que a atuação em qualquer etapa do processo depende de prévia nomeação por meio de portaria e lembrando ainda que, diferentemente da previsão da Lei n. 8.666/1993 que determinava a renovação anual da Comissão de Licitação, a nova Lei não traz disciplina sobre esta “rotatividade”, mesmo porque busca-se a qualificação permanente, a eficiência e eficácia das contratações, o que depende de certa perenidade.

Não se pode esquecer ainda que a atuação no planejamento poderá ser feita por “equipe de planejamento” formalmente designada, a qual terá como atribuição a elaboração dos estudos necessários à construção da fase preparatória e que compreende várias funções: (i) formalização da demanda; (ii) construção do Estudo Técnico Preliminar – ETP; (iii) pesquisa de mercado; (iv) elaboração do Termo de Referência; (v) elaboração do edital de licitação, etc.

Assim, para concluir entende-se que:

  1. A equipe de planejamento não precisa, obrigatoriamente, ser composta por servidores efetivos;
  2. Preferencialmente o planejamento deve ser construído por um grupo de servidores que detenham as competências necessárias para a construção dos documentos, realização dos estudos e detalhamento técnico do objeto;
  3. A equipe de planejamento deve ser nomeada por portaria ou outro instrumento;
  4. Deverão preencher alguns dos requisitos do art. 7º da Lei n. 14.133/2021;
  5. Não deverão atuar nas etapas subsequentes da licitação;

3. NÚMERO DE SERVIDORES QUE DEVERÁ COMPOR A EQUIPE DE PLANEJAMENTO

É comum e justificável que surjam questionamentos sobre a composição da equipe de planejamento, o número de equipes que cada Município ou órgão deverá ter e ainda se existe um número mínimo.

Estas avaliações são locais e deverão levar em consideração inúmeras outras variáveis que irão surgir a partir de um planejamento estratégico setorizado.

Quanto à resposta, é possível adiantar que não existe um número mínimo nem um número máximo de servidores para atuar na equipe de planejamento, o que deve ser priorizado não é a quantidade, mas o grau de conhecimento que cada membro possui e como isso pode contribuir para um planejamento capaz de gerar uma fase preparatória que possibilite uma boa contratação futura em observância à gestão por competências (art. 7º da Lei n. 14.133/2021).

Ao definir número de servidores a compor a equipe de planejamento, deve-se levar em consideração inúmeras outras variáveis que irão surgir a partir de um planejamento estratégico setorizado- Imagem de rawpixel.com no Freepik

Existem licitações e objetos que são comuns e simples ao passo que outros possuem certa complexidade. É possível, a título de exemplo que, numa licitação destinada a contratação de tecnologias da informação a equipe de contratações conte com um servidor da área de TI, outro servidor que possua a facilidade de redigir os instrumentos da fase de planejamento, outro servidor com prática na pesquisa de mercado e outro que irá construir o Termo de Referência. Assim, a quantidade irá variar de acordo com a disponibilidade de pessoal de cada Município e a natureza do objeto que se pretende contratar.

Ao mesmo tempo existem realidades em que o planejamento poderá ser executado, em sua integralidade, por um único agente público, o que não irá implicar, de plano, em perda da qualidade ou comprometimento do planejamento da licitação, o que irá demandar uma avaliação interna da estrutura, as outras responsabilidades a cargos dos servidores que irão atuar no planejamento, o volume de contratações anual do órgão e a complexidade dos objetos a serem licitados.

4. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da experiência prática e da análise detalhada da Lei n. 14.133/2021, percebe-se que existem certas incompatibilidades entre o mundo idealizado pelo Legislador Federal e a realidade dos pequenos Municípios, o que demanda atenção especial justamente na fase de regulamentação da nova lei de licitações.

Existem incompatibilidades entre o mundo idealizado pelo Legislador Federal e a realidade dos pequenos municípios brasileiros – Imagem de wirestock no Freepik

A definição das atribuições dos agentes públicos, o funcionamento da sessão de licitação e a própria segregação de funções deverão ser objeto de regulamentação local de modo que se preveja, a partir de bases normativas – Decretos ou Resoluções – as particularidades locais a fim de afastar os riscos de responsabilização dos agentes públicos por aparente “descumprimento” da Lei Federal.

A atuação nos processos licitatórios, seja na fase preparatória, na fase externa ou na fase de fiscalização e gestão, depende de designação formal e qualificação adequada de modo que se cumpram os objetivos da Lei n. 14.133/2021.

A estruturação interna do planejamento da licitação deve ser tratada com a máxima seriedade e urgência pela alta administração (prefeitos, secretários, presidentes de Câmaras Municipais) por se tratar de uma responsabilidade pessoal e objetiva capaz de atrair sérias consequências para a vida privada do gestor.

Capacitação permanente é a chave para o sucesso das contratações públicas e a tranquilidade para agentes públicos que atuam nas licitações e para os ordenadores de despesa.


[1] Mestre e especialista em Direito Público com ênfase no Direito Administrativo. Advogado e Consultor Jurídico em Direito Administrativo.

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